quinta-feira, 24 de março de 2011

Racha, álcool e drogas: combinação dolosa? Jovem que causou acidente em Uruguaiana matando dois menores vai a júri popular

No ano de 2006, conforme denuncia o Ministério Público, o jovem Yuri Iaione, então com 21 anos, dirigia seu veículo pela rua central da cidade fronteiriça de Uruguaiana. Estava alcoolizado e sob efeito de drogas, participando de racha e dirigindo em alta velocidade. O resultado foi a morte de dois jovens, de 16 e 17 anos, que estavam de carona em seu carro. Para se ter uma noção da violência do acidente, suas marcas ainda estão na rua. O veículo derrubou um poste, arrancou três árvores e foi jogado no segundo andar de um prédio. O julgamento começou hoje (24/3/11) às 9 hs.

A questão jurídica que se coloca é se o comportamento do réu deve ser enquadrado como doloso – dolo eventual como sustenta o Ministério Público, uma vez que ele assumiu o risco de provocar o acidente ao dirigir alcoolizado e drogado – ou culposo.
Aos olhos do Código Penal Brasileiro, o crime é doloso quando “o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (art. 18, I do CP) e culposo quando “o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (art. 18, II do CP).  Com tais conceitos em mente, estaria correta a indicação feita pelo Ministério Público na denúncia, tratando o crime como dolo eventual?
Em primeiro lugar, não há que se falar em certo e errado quando este tipo de discussão teórica se apresenta. Há os que defendem um entendimento e os que se colocam na posição contrária. Ambos os argumentos são juridicamente válidos.
De fato, se considerarmos que o jovem motorista embriagou-se e drogou-se voluntariamente, em que pese não desejasse causar o resultado morte, assumiu o risco de produzi-lo. Porém, apesar de eu pessoalmente pensar diferente, não é equivocada a posição dos que entendem que o ocorrido no caso foi um comportamento culposo, em especial imprudente. A diferença do tempo de pena entre os dois crimes é significativa (doloso 6-20 anos; culposo 1-3, porém, por se tratar de homicídio culposo na direção de veículo automotor, o crime é o do art. 302 do CTB, que quantifica a pena em 2-4 anos), por isso, a análise merece ser criteriosa e profunda.
O Tribunal gaúcho inclina-se para o reconhecimento do dolo eventual, conforme denunciado pelo Ministério Público. A título de exemplo segue trecho da decisão de Recurso em Sentido Estrito julgado em 2003: O motorista que dirige veículo automotor após ingerir bebida alcoólica e vem a praticar o denominado racha de veículos, causando a morte de outrem, assume o risco de produzir o resultado danoso, restando caracterizado o dolo eventual. Em delitos dessa natureza, uma vez comprovada a materialidade do delito e presentes indícios suficientes da autoria, em havendo dúvida acerca do elemento subjetivo do delito, impositiva se faz a pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri julgar a causa. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70005626718, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 13/02/2003).
Também é este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme noticia o informativo número 0148, de 2002:
A participação dos réus em desabalada disputa de veículos, denominada “racha”, resultou no falecimento de dois jovens que trafegavam numa motocicleta. Embora não conhecendo do recurso, a Turma esclareceu que a pretendida desclassificação da pronúncia não encontra amparo legal, pois o lastimável evento lesivo e a violência do impacto fez com que se tornasse plausível a ocorrência do dolo eventual a ser submetido ao Tribunal do Júri. Explicitou, ainda, que o dolo eventual não é extraído da mente do autor, mas das circunstâncias, e a sua aceitação se mostra no plano do possível, provável. Precedentes citados do STF: HC 71.800-RS, DJ 3/5/1996; do STJ: REsp 225.438-CE, DJ 28/8/2000; REsp 186.440-SC, DJ 22/3/1999, e REsp 247.263-MG, DJ 24/9/2001. REsp 249.604-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 24/9/2002.
Há juristas que levantam a bandeira contrária, com validade, como já dito, mas sem muito respaldo nos Tribunais nacionais. É esperar e ver o que o Tribunal do Júri irá decidir...

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