segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Artigo - DA AUTORIDADE DO JUIZ PARA NOMEAR GERENTES DE EMPRESA CONTINUADA POR INCAPAZ

DA AUTORIDADE DO JUIZ PARA NOMEAR GERENTES DE EMPRESA CONTINUADA POR INCAPAZ
Uma análise sistemática do art. 975 do Código Civil de 2002


Aluno: Pedro Ribeiro Agustoni Feilke
Graduando de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS


1. Introdução
Código Civil de 2002, inovando de maneira elogiada pela doutrina e os operadores de direito em geral, concedeu a oportunidade do incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a atividade empresarial antes exercida por ele quando capaz, ou, ainda, por seus pais ou por eventual autor de herança a ele concedida. A previsão está no art. 974, que assim dispõe:
“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.
§ 1o Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.
§ 2o Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.”

De fato, é elogiável a posição assumida pelo nosso legislador ao permitir a continuidade da atividade empresarial em tais casos, uma vez que contribui com a economia do país. De certa forma, é incontroverso o disposto no referido artigo e seus respectivos parágrafos, não restando maiores dúvidas quanto a sua compreensão e interpretação.
 No entanto, no artigo seguinte, 975, há uma falha na interpretação assumida por parte da nossa doutrina. Assim dispõe o art. 975 do Código Civil:
“Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes.
§ 1o Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente.
§ 2o A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados.”

É letra da lei acima colacionada que, no caso de o representante ou assistente do incapaz ser pessoa impossibilitada de exercer atividade empresarial, deverá ser nomeado por este outro ou outros gerentes, com a aprovação do juiz. No ponto mais polêmico do dispositivo sob comento, o parágrafo primeiro também estende esta nomeação a “todos os casos em que o juiz entender ser conveniente”. Então surge o ponto fulcral deste pequeno estudo.
Respeitada a doutrina diversa, creio que o parágrafo primeiro do art. 975 em momento nenhum tem o condão de dar o livre-arbítrio ao juiz de escolher um gerente irrestritamente e sem critério pré-definido. Este é o entendimento adotado por alguns juristas pátrios. Sustentam, por meio de uma interpretação a meu ver equivocada (data maxima venia), que o expresso no parágrafo primeiro é um mandamento que se sobrepõe ao restante do artigo, isto é, possui caráter incondicional, podendo ser aplicada em qualquer oportunidade que o juiz entender conveniente. Não interpreto assim, e exponho a seguir os motivos.
Primeiramente, partindo de argumentos puramente semântico-interpretativos, creio que o artigo 975 foi inserido no nosso ordenamento para proteger o incapaz. Entretanto, tal proteção não é contra o comportamento temerário do representante ou assistente impossibilitado de exercer a atividade empresarial, mas sim é uma forma de vencer tal impedimento do seu representante ou assistente. Em outras palavras, o texto legal não visa à proteção do incapaz contra o seu representante ou assistente, busca uma alternativa de continuidade outra que a administração dos bens daquele por estes.
Em tal contexto, o texto sugere que o representante ou assistente do incapaz atuará em seu melhor interesse, uma vez que é este o seu papel. Assim, é o representante ou assistente do incapaz a pessoa indicada para nomear gerentes para a administração da atividade empresária, conforme preleciona o caput do art. 975. Prosseguindo naturalmente tal raciocínio, o parágrafo único apenas dá ao juiz um poder maior de nomear gerentes em outras ocasiões, no entanto, poder que não é absoluto, mas apenas de veto a gerente que não seja conveniente ao magistrado.
Em síntese, ao juiz é conferido o poder amplo e irrestrito de veto à nomeação de gerentes, sem critério de conveniência estabelecido previamente. No entanto, não é dado ao magistrado a faculdade de iniciativa de escolha a fim de nomear gerente não indicado pelo representante ou assistente do incapaz. Esta é a orientação de todo nosso ordenamento jurídico e entender de forma diversa seria um atentado aos princípios mais básicos de nosso direito civil e processual.
2. Do conflito com as disposições relativas à incapacidade
Mediante estudo do Código Civil na parte que tange à tutela e à curatela, vemos que ao juiz daquele processo são estendidas inúmeras possibilidades, como, ao pronunciar a interdição do incapaz, “assinará , segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela” (art. 1.772 do CC). Ainda, o art. 1.775 especifica uma ordem de indicação de curadores, nos seguintes termos:
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.”
Em artigo que vale tanto para a tutela quanto para a curatela, a legislação pátria (art. 1.735 do CC) garante uma defesa ao incapaz, impedindo o exercício de curatela ou tutela aos respectivos:
Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:
I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor;
III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;
IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores;
VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela.”

E assim continua o Código Civil, especificando inúmeros procedimentos e cuidados que deverão ser tomados ao se tratar de representação judicial do incapaz. Aonde se pretende chegar com tal arrazoado? Justamente ao ponto de que: há um capítulo específico do nosso Código Civil que trata sobre o direito de representação do incapaz, bem rigoroso e repleto de restrições e burocracias.
Assim, seria um absurdo jurídico o juiz que assume o processo em uma etapa bem posterior (apenas em uma breve análise, que muitas vezes é bem simplória) ter poderes superiores de nomeação de gerentes ao representante do incapaz, que já foi devidamente sabatinado pelos requisitos que a lei civil requer e contou com a aprovação do juiz que tratou da representação.
É princípio do nosso Direito o da especificidade, bem como o da identidade física do juiz, sendo estes corolários incontornáveis da legalidade jurídica. Deste modo, seria um atentado aos princípios basilares do nosso direito civil dar ao juiz um poder de livre escolha de gerentes no caso em concreto.
3. Da legislação processual
Como já referido, é dado aos representantes do incapaz o direito de gerir os bens de seu representado. Tal orientação encontra correspondência no CPC, em seu artigo 8º: “Os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil.”
Deste modo, a regra geral é a da representação dos incapazes por seus representados, sendo, contudo, excepcionada em alguns casos, como o do art. 975, § 1º. Entretanto, tal restrição não é absoluta, a ponto de, conforme já reiterado, conferir um poder pleno ao decisor.
Outros princípios, outrossim, surgem aos olhos no estudo do presente tema. Prima facie, temos que “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.”(art. 128 do CPC).
Assumir que o juiz tenha poderes como o que se sugeriria no caso de livre escolha de gerentes, seria impróprio e ilícito, frente aos ordenamentos processuais, uma vez que a este não é dado o poder de iniciativa, sendo a inércia a regra geral, que só é elidida em raríssimos casos, aos quais, creio eu, não podemos aplicar o parágrafo único do art. 975.
4. Da legislação específica
Por último, cabe reafirmar alguns pontos do referido artigo. Como já mencionado, a intelecção do texto legal leva a crer que o legislador pretendeu dar o poder de decisão do gerente ao representante do incapaz, uma vez que este já foi escolhido por juiz da área cível, e não pode representar uma ameaça aos interesses do incapaz, do contrário, estaria o ordenamento jurídico pondo em cheque a decisão do juiz civil para contrapor a ela o juiz da área empresarial.
A restrição feita no art. 975 e em seu parágrafo primeiro nada tem a ver com a intenção, a integridade e o caráter do representante. O que se está discutindo é a questão técnica, isto é, a capacidade técnica do representante de exercer a atividade empresarial, e é isto que o juiz deve analisar, uma vez que esta é a sua competência.
Deste modo, o caput do art. 975 quer garantir a continuidade da atividade empresária nos casos em que a lei do Direito Empresário proíbe o representante de atuar como tal. O parágrafo único do referido artigo complementa o caput, estendo ao juiz um poder de avaliar a impertinência do representante ou de eventual gerente nomeado de atuar como empresário, em análise técnica, muito embora o critério de conveniência não faça qualquer restrição ao magistrado.
O que não se pode aceitar, de certo, é a nomeação feita livremente pelo juiz de eventual gerente, uma vez que tal ato destoaria por completo do nosso ordenamento jurídico, sendo o juiz parte estranha e imparcial no caso. O que pretendeu dizer o parágrafo único do art. 975 ao dispor que “será nomeado gerente em todos os casos que o juiz entender ser conveniente”, é que independente da impossibilidade do exercício da atividade empresária pelo representante do incapaz, o juiz pode compeli-lo a nomear gerente, por critério de conveniência deixado à escolha livre do magistrado.
Reforçando os argumentos ora esposados, o parágrafo segundo do art. 975 dá a maior prova de que o gerente deve ser sempre e invariavelmente nomeado pelo representante do incapaz (passando, claro, pelo crivo de conveniência do juiz), uma vez que a este é imputada a responsabilidade in eligendo pelos atos perpetrados pelo gerente nomeado.
Ora, se conferíssemos ao juiz o poder de livre escolha de um gerente e este nomeasse um que o representante sequer conhece, seria uma afronta jurídica sem precedentes imputar uma responsabilidade in eligendo ao representante que sequer escolheu o gerente! Neste sentido é claro o parágrafo segundo do art. 975, ao ressalvar que, mesmo tendo o juiz aprovado o gerente nomeado, a responsabilidade do representante ou assistente não é elidida.
Entra em choque com a teoria pátria de reparação de dano, neste particular, a ideia dos que defendem que cabe ao juiz este livre poder de escolha. Como pode haver dever de reparação sem a existência de uma ação? Ou esquecem os juristas empresariais que o Direito não é um mapa retalhado, onde as diferentes áreas não se interpenetram, não sectorizam-se sem ligação alguma? A tríade para a configuração de um dano ressarcível e o conseqüente dever de reparação depende de uma ação ou omissão, um dano e um nexo causal.
Somente haveria um dano, sem ação do representante nem tampouco nexo causal. Por estes motivos aqui esposados creio ser extremamente discutível a posição dos que crêem estar o juiz incumbido de um livre poder de escolha dos gerentes da atividade empresária desenvolvida pelo incapaz. 

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