quinta-feira, 24 de março de 2011

Opinião – STF acertou na decisão sobre a Ficha Limpa


É difícil lançar um olhar técnico e estritamente jurídico quando um tema como a, põe-se em pauta. Costuma-se dizer que futebol, religião e política não se discutem, porém, quando o assunto é corrupção ou outro tipo de comportamento inadequado de um político, a população de boa-fé (conceito vago, eu sei) demonstra todo seu repúdio.

Em um país aonde muitos têm tão pouco, é de fato revoltante observarmos as situações em que deputados, senadores e demais políticos acabam sendo flagrados. Quantias significativas de dinheiro em meias, maletas com propina e demais improbidades são cada vez mais frequentes nos noticiários. Os motivos são inúmeros e a discussão é extensa. Passa por práticas seculares como o coronelismo (vivo como nunca no Brasil) e pela falta de informação repassada ao povo, as vezes propositadamente pela mídia de massa.

Falo tudo isso para preparar o terreno para minha opinião sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da Lei Complementar 135/2010, popularizada como Lei da “Ficha Limpa”. Como sugere o título deste breve artigo, em que pese acreditar ser a LC 135/2010 um dos mais significativos avanços legislativos na nossa história, julgo estar correta a decisão do Supremo sobre o tema.

A questão merece ser analisada com calma, sem o uso de demagogias e argumentos fora do mundo jurídico. Fernando Catróga, professor universitário e historiador português de renome, diz, com o uso de uma analogia interessante, que existem dois supermercados: o do Estado Democrático de Direito e o do Estado Autoritário. Só podemos fazer compras em um deles. Se um produto estiver em falta em um, não podemos ir buscar no outro, sob o risco de desestruturar totalmente o que já está construído.

Em outras palavras, não é indo para trás que vamos para frente, isto é, não podemos, nem mesmo sob a bandeira de uma causa nobre como é o caso em tela, desrespeitar princípios que foram conquistados a tão árduo custo. A Constituição deve ser respeitada.

É certo que, posto fim ao período sombrio da sanguinolenta ditadura instaurada em 1964, a Constituição de 1988 veio trazer um novo paradigma e uma nova base ideológica ao ordenamento jurídico-social nacional. Destaca-se a ideia de que o poder emana do povo e é por ele exercido de modo direto ou indireto, como o diz o parágrafo único do art. 1º do texto maior.

O art. 14º, por sua vez, garante que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, facultando a possibilidade daquela ser manifestada mediante iniciativa popular (inciso III). O parágrafo segundo do art. 61 da Constituição, por sua vez, garante que “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.

E este foi o mecanismo jurídico que deu origem à Lei Complementar 135/2010, o que é admirável e uma verdadeira amostra do melhor da democracia popular. Deve-se exaltar sempre, como fez o lúcido Ministro Fux, a iniciativa popular, tão rara de se ver em nosso país. Porém, cientificamente, a Lei não poderia ter sido aplicada às eleições de 2010.

O que impede isso é o art. 16 da nossa Constituição Federal, in verbis transcrito a seguir:

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Ao meu entender, a lei da Ficha Limpa, que alterou os critérios de inelegibilidade, fez sim uma mudança no processo eleitoral, não podendo, sob a intelecção do art. 16 ter aplicação até um ano da data de sua vigência. Tal competência para estabelecer critérios de inelegibilidade foi dada pelo § 9º do art. 14º da Constituição que estabelece: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Claramente, alterando os critérios de elegibilidade, altera-se o processo eleitoral, que aqui não pode ser entendido como conceito inverso de direito material, isto é, não se trata de um direito processual eleitoral, mas do processo eleitoral, um conceito amplo e abrangente que engloba os fatores relativos à eleição e suas regras. Não interessa aqui, data vênia a Ministra Carmen Lúcia, se a alteração prejudicou ou beneficiou o candidato “x”, ou se foi a todos aplicada igualmente, pois isso não é objeto do texto constitucional.

O Ministro Lewandowski sustentou que a norma teve por objetivo proteger a probidade administrativa e visa à legitimidade das eleições, tendo criado novas causas de inelegibilidade mediante critérios objetivos. Mas ora, tal ponto nunca se colocou sob debate. A teleologia da lei é elogiável, no entanto, isso não possui relevância para essa discussão.

Também ressaltou que a lei foi editada antes do registro dos candidatos, “momento crucial em que tudo ainda pode ser mudado”, por isso entendeu que não houve alteração ao processo eleitoral, inexistindo o rompimento da igualdade entre os candidatos. Outro ponto que discordo respeitosamente do Ministro, uma vez que a lei, como já disse, não fala que a alteração do processo eleitoral deva criar desigualdades entre os candidatos, mas somente menciona que deva alterar o processo eleitoral.

E como dizer que o processo eleitoral só é alterado se há desequilíbrio em desfavor de algum candidato? O processo eleitoral, quando alvo de novação, é alterado intrinsecamente, ou seja, em sua estrutura interna, pouco importando se causa o efeito “a” ou “b”. E, ao contrário do afirmado pela Ministra Ellen Gracie, causa de inelegibilidade é sim parte integrante do processo eleitoral, pois estabelece regras atinentes à eleição.

Quanto ao argumento do Ministro Joaquim Barbosa de que o art. 14, § 9º prevaleceria sobre o 16º, acredito que a previsão do art. 14, § 9º é uma norma que depende de legislação ordinária para ter efeito, do contrário, não haveria necessidade da referida Lei Complementar.

Por último, àqueles que agora clamam por justiça e que sustentam que a vontade do povo foi vencida por um Tribunal, relembro que os candidatos prejudicados pela Lei da Ficha Limpa foram eleitos por este mesmo povo. Não quero legitimar tais políticos que não merecem representar quem os elege, é uma lembrança apenas de que o povo tem que ser melhor educado e que a mídia manipuladora ainda é comandada por velhos oligarcas que monopolizam a informação.

A nota desagradável disso tudo fica por conta do Ministro Gilmar Mendes (o mesmo que diz que juiz não pode ouvir sujeito de esquina), que mais uma vez demonstra que não está à altura da Corte Constitucional brasileira.

4 comentários:

  1. Que essa lei seja cumprida então, na teoria é muito boa, vamos ver na prática.

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  2. De fato, li o seu texto e podemos tirar algumas conclusões sobre;

    Primeiramente o seu titulo nos leva a pensar que sua opinião retrata uma fiel apologia ao não uso da lei Ficha Limpa (de iniciativa popular) porem o que se ver é um enfoque jurídico baseado na constituição federal, no entanto contrariamente a sua opinião a respeito da lei em questão, esclarecemos que não fez mudança alguma no processo eleitoral e sim em quem poderia ou não ser votado (inelegibilidade) isto é o processo continua o mesmo o que muda são quem poderia esta nele, no caso de considerar a lei os fichas sujas estariam FORA!

    Por outro lado, não podemos a torto e a direito mexer na constituição e/ou descumpri-la, porem dos homens aos homens já se é clamado, e quem mais, se não os homens, a criou, por tanto tal homens tem total direitos a lutar para o bem comum, assim sendo desejo de todos, que se cumpram os seus desejos!

    Carlos
    Blog Olhar Messiense

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  3. De fato Carlos, a sua opinião é perfeitamente aceitável e juridicamente válida, porém, mantenho minha posição no sentido de que a decisão do STF foi correta.

    A discussão principal que foi travada foi justamente esta a respeito da alteração ou não do processo eleitoral, não passou nunca sobre o mérito, a intenção ou a origem da Lei Complementar 135/2010.

    Neste ponto, tenho que as duas opiniões conceituais são validas e devem ser aceitas, prevalecendo a decidida pela maioria. Ao meu ver, como já deixei dito, a referida lei alterou sim o processo eleitoral, compreendido como um conceito mais abrangente que o sugerido por você.

    Na minha opinião - reitero novamente que é uma questão essencialmente subjetiva, sem certo ou errado - qualquer lei que tenha o condão ou mesmo a expectativa de influenciar na eleição deve ser considerada como alteradora do processo eleitoral. O que a Constituição Federal buscou resguardar, no art. 16, foi justamente este princípio da anterioridade, que deve ser fielmente obedecido.

    Não podemos deixar que volte o tempo obscuro do ordenamento jurídico como vivido na época da ditadura, na qual as regras eram constantemente alteradas, ignorando preceitos Constitucionais (Constituição essa imposta pelos próprios militares em 1967) sob o argumento de que a causa é nobre.

    Quanto à lei ter sido por iniciativa popular, tal fato é extremamente positivo e elogiável, no entanto, aos olhos frios da Constituição em nada se difere do Legislador Ordinário. Isto porque o povo exerce o poder pelo sufrágio universal, de forma direta ou indireta por meio de seus representantes. O texto constitucional não estabeleceu qualquer hierarquia entre as duas hipóteses.

    E como já disse, o "povo", entidade abstrata que ainda não decifrei, não partilha de um pensamento uniforme. Alguns comemoram a decisão do STF, simplesmente por gostarem do candidato, mesmo sabendo de sua vida pregressa. Aí que está a raiz do problema, que passa pela atenção midiática desfocalizada que manipula a massa e a aliena.

    Se foi o "povo" que, por iniciativa popular, elaborou a Lei da Ficha Limpa, também foi ele que elegeu os políticos os quais seriam afastados pela aplicação da norma.

    Entendo sua irresignação, é difícil, como já disse, tratar da questão sem envolver emoção, mas, a fim de preservar o Estado Democrático de Direito pelo qual muitos deram a vida para construir, a Constituição deve ser respeitada.

    Faço votos sinceros e esperançosos que uma reforma política realmente efetiva e estrutural seja feita em nosso país, alterando o quadro vergonhoso que hoje existe. Mas sem desrespeitar a Constituição e o Estado Democrático de Direito. É um preço muito alto que não estaria disposto a pagar.

    Pedro Feilke

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  4. QUE SITUAÇÃO DIFÍCIL.... COMO RESOLVER??? FOI JOGADO PARA FRENTE !!! COM CERTEZA , A PARTIR DE AGORA... A TENDÊNCIA É DIMINUIR AS FALCATRUAS ... MAS... COMO EM NOSSO PAÍS TEM DE TUDO ... VAMOS AGUARDAR , NOVOS ACONTECIMENTOS ... VISANDO UM FUTURO MELHOR !!! SERÁ ??? VAI SER PRECISO INVESTIR EM MUITA EDUCAÇÃO EM ÂMBITOS GERAIS ...

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