Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)
A Suprema
Corte dos Estados Unidos vive uma crise, com raízes na divisão política do país
entre conservadores (Republicanos) e liberais (Democratas), que é retratada com
preocupação pela imprensa do país. "A discórdia está instalada de forma
profunda e pessoal na Suprema Corte dos Estados Unidos", declarou a CBS
News em reportagem deste domingo (8/7). "É uma discórdia que vai
afetar essa corte por um longo tempo e ninguém tem ideia de quando será
resolvida", diz a reportagem.
A "ira dos
conservadores", assim definida pelo jornal Los
Angeles Times, tem origem no fato de que algumas decisões
importantes nos últimos 12 meses não se alinharam à constituição da Corte, de
maioria conservadora. Em algumas decisões, um ministro ou outro se alinhou com
o outro lado da bancada, por optar por uma decisão essencialmente jurídica. Com
isso, esses ministros produziram "algumas surpresas desagradáveis"
para os conservadores, segundo o Los Angeles Times.
A Suprema Corte dos
EUA tem nove ministros — cinco conservadores e quatro liberais. Na ala
conservadora estão o presidente da Corte, John Roberts (indicado por George
Bush) e os ministros Antonin Scalia (indicado por Ronald Reagan), Anthony
Kennedy (Ronald Reagan), Clarence Thomas (George Bush) e Samuel Alito (George
Bush). Na ala liberal, estão o ministro Stephen Breyer (indicado por Bill
Clinton) e as ministras Ruth Bader Ginsburg (Bill Clinton), Sonia Sotomayor
(Barack Obama) e Elena Kagan (Barack Obama).
Nos últimos tempos, o
ministro conservador Anthony Kennedy assumiu a posição de fiel da balança da
Suprema Corte, se alinhando com os conservadores ou com os liberais de acordo
com suas convicções jurídicas, em cada um dos casos. O ministro conservador
Samuel Alito votou uma vez com os liberais e a ministra liberal Sonia Sotomayor
se alinhou uma vez com os conservadores. Mas a pedra no sapato dos
conservadores sempre foi Anthony Kennedy.
Mas, na votação mais
politizada deste ano, destinada a manter ou derrubar a nova lei de seguro-saúde
do país, conhecida como Obamacare (porque foi um projeto de lei proposto pelo
presidente Obama), o ministro Kennedy se declarou, desde o início, que iria
votar contra a lei. E os Republicanos consideram a extinção completa da
Obamacare como favas contadas. Mas aconteceu, então, o inesperado: o presidente
da Corte, John Roberts, deu uma guinada de última hora em todo o processo e se
juntou à "coalizão liberal" para manter a lei que obriga todos os
americanos a adquirir seguro-saúde e, com isso, gerar fundos para revitalizar o
moribundo Medicaid — o serviço de previdência social para os americanos que
vivem abaixo do nível de pobreza.
Foi a gota d’água que
instalou a discórdia na Corte e a indignação dos conservadores do país.
"Os conservadores sentiram um cheiro de traição", diz a CBS.
"Eles acham que Roberts mudou de ideia por razões erradas", relata a
reportagem. Se Roberts tivesse ficado do lado dos liberais desde o início, o
resultado final teria sido mais palatável. Mas o fato de ele haver mudado de
posição quase em cima da hora deixou os conservadores furiosos, diz a CBS.
Curiosamente, ele tentou arduamente convencer o ministro Kennedy a também se
alinhar com os liberais, para manter a lei, mas não conseguiu. Mas, enfim,
Roberts deu o voto decisivo em uma questão polêmica perante a Corte que ele
preside desde 2005.
Furos nas
coalizões
Três dias antes de votarem a Obamacare, John Roberts e Anthony Kennedy, com o apoio de três ministros liberais, derrubaram alguns aspectos mais polêmicos da lei do Arizona que, segundo os críticos, legaliza a perseguição a imigrantes ilegais. A ministra liberal Elena Kagan se declarou impedida porque ela trabalhou nessa área, quando fazia parte do governo Obama. A Suprema Corte considerou que, em alguns pontos, o Arizona legislou em áreas que eram de competência exclusiva do governo federal. Resultado da votação: 5 a 3 para os liberais.
Três dias antes de votarem a Obamacare, John Roberts e Anthony Kennedy, com o apoio de três ministros liberais, derrubaram alguns aspectos mais polêmicos da lei do Arizona que, segundo os críticos, legaliza a perseguição a imigrantes ilegais. A ministra liberal Elena Kagan se declarou impedida porque ela trabalhou nessa área, quando fazia parte do governo Obama. A Suprema Corte considerou que, em alguns pontos, o Arizona legislou em áreas que eram de competência exclusiva do governo federal. Resultado da votação: 5 a 3 para os liberais.
Em um voto que se
tornou notável, segundo o Los Angeles Times, o ministro
conservador Samuel Alito se juntou aos quatro liberais da corte, declarando que
os americanos tinham direito à proteção constitucional de não ter seus
movimentos rastreados por qualquer autoridade policial através de seus
telefones celulares, GPS e outros dispositivos eletrônicos. A Constituição dos
EUA protege os cidadãos contra busca e apreensões consideradas "não
razoáveis" e sem mandado, mas o governo defendia a tese de que essa
proteção não se estende às ruas e calçadas públicas. Resultado da votação: 5 a
4.
Com a ajuda do
conservador Anthony Kennedy, os ministros liberais garantiram aos réus novos
direitos nos acordos de plea bargain (confissão de culpa para evitar o
julgamento, em troca de uma pena menor). Cerca de 95% dos casos criminais
jamais chegam ao Tribunal do Júri. Terminam em acordo proposto pelo promotor e
aceito pelo réu, com a assistência de seu advogado de defesa. No entanto,
segundo os votos vencedores, muitos réus perdem a oportunidade de fazer um
acordo e pegam sentenças muito altas, porque lhes faltaram uma assistência
jurídica competente — algumas vezes, por um erro grave do advogado de defesa.
Assim, os réus prejudicados podem pedir a revisão de seu caso em um tribunal.
Resultado da votação: 5 a 4.
Kennedy também foi
decisivo quando a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade das leis
estaduais (e também de uma lei federal) que obrigava os juízes a aplicar
automaticamente a sentença de prisão perpétua a crianças (algumas delas na
faixa de 11 a 14 anos) e adolescentes, uma vez que fossem consideradas culpadas
pelo tribunal do júri por qualquer crime que envolvesse morte da vítima. Os
juízes sequer tinham a possibilidade de levar em consideração circunstâncias
atenuantes, como idade do réu ou sua efetiva participação no crime. Muitas
crianças foram sentenciadas a prisão perpétua, sem terem cometido crime de
assassinato, porque foram consideradas culpadas por estarem envolvidas, por
exemplo, com um crime de assalto. A decisão não vai livrar os condenados da
prisão, automaticamente, mas mais de 2 mil casos serão revistos. Resultado da
votação: 5 a 4.
Com a ajuda da
ministra Sonia Sotomayor, que se alinha com a minoria liberal, porque foi
indicada pelo presidente Obama, mas que têm tendências conservadoras, segundo a
Wikipédia, a Suprema Corte garantiu novas proteções jurídicas às corporações
que enfrentam sanções criminais. No passado, a corte estabeleceu que os réus
tinham o direito a um júri, para decidir sobre fatos essenciais que sugeriam
punições mais duras. Em junho, Sonia Sotomayor escreveu, em seu voto, que o
mesmo era verdadeiro para as corporações. Resultado da votação: 6 a 3 para os
conservadores. A ministra foi corajosa porque, segundo a Wikipédia, os
registros históricos indicam que um ministro só vota contra sua própria bancada
depois de pelo menos 5 anos no cargo. Ele foi para a corte em 8 de
agosto de 2009.
Exceções à
regra
Todos esses casos de votos "rebeldes" constituem, entretanto, exceções à regra. O placar normal das decisões da corte é 5 a 4 – cinco votos conservadores contra quatro votos liberais. Assim, os conservadores tiveram inúmeras vitórias nos últimos tempos. Entre as mais notáveis, por exemplo, deram ganho de causa ao Walmart, contra suas funcionárias, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Determinaram que as prisões têm o direito de ordenar a prisioneiros que se desnudem, para fazer buscas, mesmo que não sejam considerados perigosos. Proibiram os sindicatos do setor público de coletar taxas de funcionários para financiar projetos políticos especiais.
Todos esses casos de votos "rebeldes" constituem, entretanto, exceções à regra. O placar normal das decisões da corte é 5 a 4 – cinco votos conservadores contra quatro votos liberais. Assim, os conservadores tiveram inúmeras vitórias nos últimos tempos. Entre as mais notáveis, por exemplo, deram ganho de causa ao Walmart, contra suas funcionárias, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Determinaram que as prisões têm o direito de ordenar a prisioneiros que se desnudem, para fazer buscas, mesmo que não sejam considerados perigosos. Proibiram os sindicatos do setor público de coletar taxas de funcionários para financiar projetos políticos especiais.
Mas, mesmo no calor
das discórdias, políticos conservadores esperam que a poeira assente e que os
ministros conservadores façam as pazes com o presidente Roberts, para que a
coalizão majoritária volte a imperar. A partir de setembro, a Suprema Corte vai
decidir dois casos de grande interesse para os conservadores: uma lei sobre
direito ao voto e outra sobre o casamento. A lei do casamento, que os conservadores
querem manter intacta, estabelece que o matrimônio somente pode ocorrer entre
um homem e uma mulher.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor
Jurídico, 9 de julho de 2012
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