terça-feira, 12 de abril de 2011

Cidadão Boilesen descortina a promiscuidade entre Estado-empresas na ditadura para criar uma operação de repressão à margem da lei

Fonte: Blog Sem Juízo

Artigo por Marcelo Semer


Assisti na semana que passou, com enorme atraso, a Cidadão Boilesen (2009, direção Chaim Litewsky)

A pretexto de narrar a vida do executivo dinamarquês que foi ‘justiçado’ por integrantes da luta armada, em São Paulo, em 1971, o filme reconstitui com fidelidade o financiamento de empresários na construção e manutenção da Operação Bandeirante. A OBAN uniu exército, polícia federal e polícias estaduais para a criação de um centro de tortura na Capital paulista.

Henning Albert Boilesen, diretor da Ultragás, seria o ponto de contato entre militares e o empresariado e, conforme os minuciosos relatos mostrados no documentário, um dos principais incentivadores da cooperação privada à repressão e tortura. 

Segundo consta, não apenas assistia pessoalmente às bárbaras sessões de tortura, sendo identificado nelas por vários presos, como teria sido responsável pela aquisição de um dos instrumentos mais sofisticados para causar dor: a ‘pianola Boilesen’.

O documentário registra todos os lados envolvidos, de integrantes da luta armada que justiçaram Boilesen até seus familiares e amigos; de acusados pelos centros de tortura, como o coronel Brilhante Ustra, até algumas de suas vítimas, fornecendo assim um panorama pluralista da tenebrosa história que conta.

Mais do que um eventual sadismo do executivo, o que desperta a atenção no filme é a imensa promiscuidade entre Estado e empresários na criação de uma operação ilegal, ao mesmo tempo no coração e à margem do sistema.

Para alguns entrevistados, um financiamento necessário, para outros apenas uma estratégia militar para comprometer o empresariado com os meios ilegais de repressão. 

Mas os males que essa promiscuidade gerou vão além das enormes atrocidades provocadas nos corpos dos militantes que se opunham à ditadura: marcas indeléveis também no corpo da democracia e de nossa república.

Alguns aderiram à promiscuidade como forma de não serem alijados de licitações ou grandes contratos; outros justamente para poder se aproveitar das oportunidades que se abriam com essas ligações -o documentário avoluma dados sobre as íntimas conexões entre o grupo do executivo e a Petrobrás.

Para militares que golpearam a democracia sob o manto da defesa da ordem, e que se utilizaram de mecanismos de exceção para cassar oponentes a quem imputavam pechas de subversivos e corruptos, nada mais revelador do que a montagem, no corpo do Estado, de uma operação ao arrepio da lei, que combinava repressão e negócios ilícitos, arbitrariedade e patrimonialismo, um dependente de outro. 

De que ordem, e de que negócios, se tratava nos recônditos guichês da ditadura? 
O fim da censura proporcionou a seu povo o redescobrimento do país. Com o que tem de bom e o que tem de ruim. 

Pode-se enumerar o quanto de corrupção nos órgãos públicos nossos jornais publicam todos os dias –mas o quanto dela se ocultou na promiscuidade Estado-empresas criada supostamente para financiar a repressão? Quanto de nossa prática de tratar coisa pública como privada é proveniente dali?

Dessa promiscuidade, o deputado Bolsonaro não fala. 

Prefere dirigir seu vigor a insinuações sobre negros ou homossexuais. E é reputado como homem de coragem, demonstrando saudade da ditadura. 

Mas onde está a coragem dos órgãos de repressão que escolhiam porões escuros para impingir torturas a jovens que contestavam a ditadura? 

Onde a coragem ao esconder ossos de corpos de guerrilheiros mortos para que a verdade –que diziam “redentora”- jamais pudesse vir à tona?

Bolsonaro, ele mesmo, afixou em seu gabinete, um cartaz que resume sua posição quanto aos esforços de busca de corpos dos desaparecidos: “Quem procura ossos é cachorro”.

Não é. 

Para a nossa história, cachorros foram os que os esconderam.

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