terça-feira, 11 de março de 2014

OAB vai ao Supremo pela correção da tabela do IR

Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mar-10/adi-supremo-oab-correcao-tabela-imposto-renda

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou nesta segunda-feira (10/3) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal pedindo a correção da tabela do Imposto de Renda. O pedido aponta que, desde 1996, a base de cálculo está defasada em 61,2%. O número baseia-se em estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Atualmente, estão isentos do imposto quem ganha até R$ 1.787. Caso a tabela fosse corrigida, a isenção iria até R$ 2.758. De acordo com a OAB, a correção beneficiaria 20 milhões de pessoas. Desse total, 8 milhões deixariam de pagar o imposto e passariam a ser isentos.
Na ADI, a OAB pede liminar para que a correção seja válida já neste ano. Como um plano B para evitar uma queda brusca na arrecadação, o Conselho Federal propõe que a tabela seja corrigida de forma escalonada pelos próximos dez anos. Dessa maneira, em 2015 haveria a correção pela inflação anual, mais 6% da defasagem, e assim até 2025. A ação é assinada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho; pelo procurador especial tributário do Conselho Federal da OAB, Luiz Gustavo Bichara; e pelo advogado Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior. O caso foi distribuído ao ministro Luis Roberto Barroso.
O presidente da OAB diz que o caso do IR é semelhante ao da Emenda do Calote (EC 62). Ela foi julgada inconstitucional pelo STF por corrigir os precatórios pela Taxa Referencial, índice que tem ficado abaixo da inflação. “A novidade desta ação é que ela busca aplicar o raciocínio que o STF já aplicou na ADI dos precatórios. O STF decidiu que a correção de direito abaixo da inflação é confisco”, afirma Furtado Coêlho. “A Ordem pede a aplicação da lei, que fala expressamente que a tabela será corrigida pela inflação. Mas tem que ser pela inflação efetiva, não pela projetada”, conclui.
O conselheiro federal da OAB Luiz Claudio Allemand afirma que em 1996 a isenção se estendia para quem ganhava até 8 salários mínimos, enquanto hoje não alcança nem três. "Um cidadão que ganha R$ 2,7 mil não teria de pagar IR, mas hoje ele já começa pagando 15%. É uma covardia com o trabalhador brasileiro. De certa forma o governo está tributando a base da pirâmide", afirma.
Para Luiz Gustavo Bichara, corrigir a tabela de acordo com a expectativa de inflação do governo também não adianta. “O que pretende o Conselho Federal é a interpretação conforme à Constituição dos dispositivos legais que reconhecem que a inflação é o correto indexador da tabela do IR, mas a inflação efetivamente verificada ao fim de cada exercício, não a meta. A meta é só uma previsão. E se a previsão não for confirmada, como aconteceu nos últimos 16 anos, ela deve ser substituída pelo dado do mundo real, a inflação efetiva. Interpretação diferente acabará por autorizar a tributação do mínimo existencial, violando-se uma série de preceitos constitucionais de proteção ao contribuinte, principalmente o menos favorecido”, explica.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Vídeo: A maioria oprimida

Hoje gostaria de destacar um vídeo que vem fazendo extremo sucesso na mídia, inclusive televisiva, o curta francês "Maioria Oprimida" ("Majorité Opprimée"). O filme mostra, com um toque de humor, como seria o mundo invertido em termos de sexos. Em uma sociedade tão machista que vivemos, é um interessante olhar, que nos faz pensar. Fica aí a dica de assistir ao filme, disponível no Youtube:


Titular do registro pode exigir que licenciado acompanhe mudança nos padrões da marca

Notícia veiculada hoje no site do STJ:

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=113545

DECISÃO
Titular do registro pode exigir que licenciado acompanhe mudança nos padrões da marca
O proprietário da marca tem o direito de exigir do licenciado os ajustes necessários para a manutenção dos padrões adotados. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso sobre um caso em que o licenciado se recusava a se adequar aos padrões exigidos pelo dono da marca.

A Turma considerou que a marca é mais que mera denominação, pois traz em si um conceito identificado com desempenho e eficiência, facilita o reconhecimento e a captação de clientes e diminui o risco para a clientela, mediante a padronização de produtos, serviços e atendimento.

O recurso foi interposto pela empresa Quick Food Lanches e Refeições Ltda., impedida de continuar a explorar a marca Dona Lenha. Ela obteve autorização de exploração em 2001 e, em 2005, foi convidada a adotar as mudanças sugeridas pela rede, com as quais não concordou.

Sem condições 
Em primeira instância, a Justiça entendeu que a não adequação aos padrões da marca poderia resultar em alguma sanção, mas não na inibição do uso do nome. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) reformou essa decisão, ao entendimento de que caberia à ré manter os padrões da marca.

No recurso ao STJ, a Quick Food sustentou que as condições de uso da marca, para produzirem efeitos limitadores ao licenciado, deveriam constar do contrato, o que não ocorreu no caso.

O TJDF reconheceu que não foi imposta nenhuma condição ou limitação temporal para o uso da marca. O licenciamento de uso, entretanto, previsto pelo artigo 139 da Lei 9.279/96, autoriza o titular do registro a exercer controle sobre as especificações, natureza e qualidade dos produtos e serviços.

Segundo o relator no STJ, ministro João Otávio de Noronha, com a licença de uso, o licenciado se compromete, de acordo com a lei, com a integridade e a reputação da marca, obrigando-se a zelar por ela. No caso, o layout da loja estava diferente do sugerido pelo titular, bem como o cardápio e a logomarca.

Irrelevante 
Noronha considerou irrelevante o fato de não haver condições limitadoras na autorização de uso, porque “é da essência da própria marca que o uso por terceiros deve respeitar-lhe as características”.

“Por óbvio, se a recorrida, titular do registro, optou por adotar novo conceito para a marca, é porque queria superar aquele então adotado”, disse o ministro. “Nessa medida, a manutenção do padrão antigo pelo recorrente prejudica a nova identificação proposta”, acrescentou.

Para o relator, o licenciado deve respeitar as novas características, pois a inobservância dos traços distintivos desvirtua a existência da marca. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Em recurso da defesa, STJ desconstitui acórdão pró-réu

Fonte: Conjur

A aplicação de analogia em favor do réu para condená-lo por tráfico de drogas em lugar do crime de importação de remédio sem registro não pode ser feita sem a declaração expressa da inconstitucionalidade pelo tribunal. Para a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a prática viola a reserva de plenário.
A Lei 9.677/1998 alterou o Código Penal para considerar hediondos e aumentar as penas dos crimes contra a saúde pública. Entre as alterações, inclui-se o parágrafo 1º-B no artigo 273. Com a alteração, a conduta de importar medicamentos (além de saneantes e cosméticos, entre outros produtos) sem registro na vigilância sanitária implica pena de reclusão de dez a 15 anos.
No caso analisado pelo STJ, o réu foi condenado pela importação de comprimidos de Pramil e Erofast, remédios contra disfunção erétil, sem registro.
O juiz considerou que a pena prevista pela reforma do CP era desproporcional à conduta. Ele considerou expressamente inconstitucional a pena mínima de dez anos, o dobro do mínimo previsto para o tráfico de drogas.
Para o juiz, porém, não seria possível aplicar, conforme jurisprudência da corte local, a pena de tráfico. Isso porque o tipo penal não conteria a conduta do réu. Condená-lo por tráfico corresponderia a analogia contra ele, o que não é possível em Direito Penal.
Mas o juiz considerou que a conduta corresponderia à prática de contrabando, isto é, introdução no país de produto com venda e circulação proibida. A pena fixada foi de um ano e dois meses em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito.
Analogia favorável
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar recursos da acusação e da defesa, entendeu que a pena de tráfico configuraria analogia em favor do réu, diferentemente do que entendeu a primeira instância.
Contra essa decisão, a Defensoria Pública impetrou Habeas Corpus no STJ. Sustentou três teses: a aplicação do parágrafo 1º-B do artigo 273 violaria o princípio da ofensividade e da proporcionalidade, exigindo a desclassificação da conduta para contrabando; se mantida a condenação pelo tipo do artigo 273, que fosse aplicada a pena de contrabando e não de tráfico; ou se aplicada a pena de tráfico, que se aplicasse, também, a causa de diminuição de pena prevista para esse crime.
Para a ministra Laurita Vaz, o TRF-4 foi claramente contraditório ao não aplicar o artigo por desproporcionalidade da pena prevista e, ao mesmo tempo, declarar sua constitucionalidade plena.
Como o Habeas Corpus é medida de defesa, a pena do condenado não pode ser aumentada, em razão do princípio que proíbe o agravamento da situação do réu em recurso exclusivo da defesa.

Em sua decisão, apesar de declarar que o artigo 273 do CP era “plenamente constitucional”, o TRF-4 deixou de aplicar sua pena no caso concreto, porque não significaria lesão à saúde pública. Com esse entendimento, o réu foi condenado no tipo do artigo 273, mas com a pena do tráfico de drogas. O resultado ficou em três anos de regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito.
Pequeno traficante
Pela lei antidrogas, o pequeno traficante, entendido como primário, de bons antecedentes e sem envolvimento habitual com o crime ou organização criminosa, pode ter a pena fixada em até cerca de um ano e oito meses de reclusão.
Contradição
Segundo a relatora, o Supremo Tribunal Federal, em entendimento sumulado com efeito vinculante, afirma que a decisão que não aplica norma legal com base em critérios constitucionais tem o mesmo efeito de uma declaração de inconstitucionalidade, ainda que não o faça de forma expressa.
Pela Constituição, os tribunais só podem efetuar essa declaração de inconstitucionalidade por meio de seu órgão pleno ou especial — a chamada reserva de plenário. Dessa forma, a decisão do TRF-4 viola a Constituição e é nula.
Reforma para pior
Assim, a ministra Laurita Vaz ressalvou expressamente que a nulidade da decisão do TRF-4 e a imposição de necessidade de novo julgamento não poderão trazer nenhum tipo de prejuízo ao condenado.
Segundo a relatora, o TRF-4 pode até aplicar o mesmo entendimento, desde que o faça por meio de seu Plenário ou Órgão Especial, na forma prevista pelo artigo 97 da Constituição Federal. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Deputados investigam tortura nas obras de Jirau


Fonte: Congresso em Foco

Não bastassem os questionamentos ambientais, as obras da Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, no estado de Rondônia, são alvo agora de denúncias graves violações aos direitos humanos. Um grupo de deputados da Comissão de Direitos Humanos (CDH) e da CPI do Tráfico de Pessoas investiga o caso. As denúncias de abusos já foram informadas à presidenta Dilma Rousseff. A Hidrelétrica de Jirau é uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com as denúncias, as obras são um canteiro de violações aos direitos humanos, em que operários são submetidos a maus tratos, insalubres condições de trabalho, confinamento e nenhuma opção de lazer, além de salários baixos e nenhum poder de voz junto aos empregadores. E, de acordo com depoimento colhido na última quarta-feira (4) pela CDH, tortura.
No início do ano, entre março e abril, insatisfeitos com as condições de trabalho, um grupo de operários iniciou um motim que culminou em incêndio na madrugada do dia 2 abril, quando parte dos alojamentos da usina de Jirau foi totalmente destruída. Ao todo, 36 das 57 instalações à margem direita do Rio Madeira foram incendiadas.
Assista a cenas do incêndio nas instalações da hidrelétrica:

Como reação, a polícia prendeu 25 pessoas durante os protestos grevistas, 13 das quais estão desaparecidas, e duas presas. As informações foram levadas à CDH por um representante do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo), José Pimenta, que acompanhou o operário Raimundo Braga Souza, 22 anos, no depoimento ao colegiado.
Tráfico de pessoas
Naquela madrugada, Raimundo foi preso e, sem qualquer procedimento judicial, ficou entre o centro de detenção local e um presídio por 54 dias. Foi nesse período que, diz o operário, foi torturado para confessar participação no motim. Ele disse que foi submetido a condições sub-humanas, com longos intervalos de tempo sem comida, água para beber ou escovar os dentes. Nem a banho os detentos tiveram acesso, disse o operário, interiorano do Piauí que foi recrutado por um aliciador de mão-de-obra (o chamado “gato”), a quem devia R$ 500 como condição para a contratação nas obras da usina. Segundo a Comissão de Direitos Humanos, trata-se de crime de tráfico de pessoas previsto na Convenção Internacional de Palermo, instrumento de cooperação jurídica assinada por 192 países em 15 de novembro de 2000.
“A cela tinha três metros de comprimento por metro e meio de largura. Tinha mais seis pessoas. Não tinha colchão, era no chão puro. Sou pobre, porém mereço respeito. Não faria nada daquilo que me acusaram, mesmo porque eu precisava do trabalho”, afirmou Raimundo, que teve pertences e documento retidos pela Construtora Camargo Corrêa, responsável pelo empreendimento. O operário foi solto por faltas de prova, e mesmo assim por intervenção da Associação dos Advogados do Povo, que atua em Rondônia.
Além da Cebraspo, a Liga Operária de Rondônia participou da reunião da CDH. As entidades elaboraram petição pública e encaminharam a órgãos do governo federal em busca de providências sobre as denúncias e punição aos responsáveis pelo desaparecimento dos grevistas.
A reportagem tentou contato com a Camargo Corrêa, por meio dos três telefones disponíveis no site oficial, durante toda a tarde desta segunda-feira (9), mas não conseguiu falar com representantes da empresa. Mensagens eletrônicas também foram enviadas à página na internet e no perfil da corporação no Facebook, mas nenhuma resposta foi dada até o fechamento desta matéria.
Providências
Tanto a Comissão de Direitos Humanos da Câmara quanto a CPI do Tráfico de Pessoas, instalada em 3 de abril, já estudam ações sobre as denúncias dos trabalhadores. A comissão de inquérito realiza hoje (terça, 10), em sessão secreta, oitiva com Dalton dos Santos Avancini e Victor Paranhos, representantes da Camargo Corrêa convocados a depor sobre o assunto. Também falarão ao colegiado Cleonilde Nunes Serrão e Ermógenes Jacinto de Souza, que prestarão esclarecimentos sobre a contratação de operários de outros estados nas obras da usina.
O vice-presidente da CDH, o deputado Padre Ton (PT-RO) disse ao Congresso em Foco que as condições de trabalho nos canteiros de obras de Jirau são análogas à escravidão. “O relato desse rapaz foi uma bomba. Isso é uma vergonha para o nosso país, sexta economia do mundo, que cresce economicamente. É um absurdo ainda termos um exemplo como esse dentro de obras feitas com recursos do próprio governo federal. É uma situação análoga à escravidão”, lamentou o deputado, que visitou as obras em 22 de março com o presidente da comissão, Domingos Dutra (PT-MA), e com ele atestou as violações trabalhistas, que coincidem com a recente aprovação da PEC do Trabalho Escravo.
Padre Ton disse que o depoimento de Raimundo será anexado ao relatório da diligência feito com Dutra sobre a situação nas obras da usina. O deputado rondoniense disse que, mesmo na condição de parlamentar a serviço de uma comissão do Congresso, teve de esperar por quase duas horas do lado de fora das instalações até ser autorizado a falar com a chefia do empreendimento. Foi quando percebeu algo além das condições insalubres de trabalho.

“Quase não vemos trabalhadores de Rondônia nas obras. As pessoas estão trabalhando em confinamento, sem ter direito a lazer nem a escolhas, sem ter direito a ir à cidade. Isso causa um estado de aflição e insegurança”, acrescentou o deputado, apontando o tráfico de pessoas e lembrando que grupos de trabalhadores, “visivelmente apreensivos”, evitavam dar informações, com medo de retaliações dos policiais do Grupo de Operações Especiais da Polícia Militar Rondônia. Homens da Força de Segurança Nacional também foram deslocados para Jirau depois do incêndio. “Eles estavam dando segurança para a empresa, e não para os trabalhadores. Eles estavam coagindo os trabalhadores.”
Dilma preocupada
Padre Ton disse ainda ter ouvido relatos de um assassinato de um operário em Jaci Paraná, município a cerca de 20 quilômetros do canteiro de obras e a 80 quilômetros da capital Porto Velho. “A presidenta Dilma está muito preocupada com a situação”, concluiu o deputado, que já se reuniu diversas vezes com o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e com representantes do sindicato da construção civil de Rondônia, entre outras entidades, mesmo antes da visita a Jirau.
Presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) disse à reportagem que o empreendimento não pode continuar nos moldes atuais. “É inaceitável. É um relato surreal o que ouvimos do Raimundo, um trabalhador aliciado por um ‘gato’ no interior do Piauí e atraído por conta da sua baixa escolaridade e refém das estatísticas absurdas de desemprego do Brasil. Ele ficou um mês lá e gastou todas as economias que levou, e depois ficou submetido às condições sub-humanas verificadas”, declarou o deputado. Segundo Arnaldo Jordy, representantes do governo federal, do consórcio responsável pelas obras de Jirau e da Eletronorte, entre outros, já têm requerimento de convocação formalizado na CDU e terão de prestar esclarecimentos.

Suprema Corte dos EUA enfrenta momento de discórdias

Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)



A Suprema Corte dos Estados Unidos vive uma crise, com raízes na divisão política do país entre conservadores (Republicanos) e liberais (Democratas), que é retratada com preocupação pela imprensa do país. "A discórdia está instalada de forma profunda e pessoal na Suprema Corte dos Estados Unidos", declarou a CBS News em reportagem deste domingo (8/7). "É uma discórdia que vai afetar essa corte por um longo tempo e ninguém tem ideia de quando será resolvida", diz a reportagem. 
A "ira dos conservadores", assim definida pelo jornal Los Angeles Times, tem origem no fato de que algumas decisões importantes nos últimos 12 meses não se alinharam à constituição da Corte, de maioria conservadora. Em algumas decisões, um ministro ou outro se alinhou com o outro lado da bancada, por optar por uma decisão essencialmente jurídica. Com isso, esses ministros produziram "algumas surpresas desagradáveis" para os conservadores, segundo o Los Angeles Times
A Suprema Corte dos EUA tem nove ministros — cinco conservadores e quatro liberais. Na ala conservadora estão o presidente da Corte, John Roberts (indicado por George Bush) e os ministros Antonin Scalia (indicado por Ronald Reagan), Anthony Kennedy (Ronald Reagan), Clarence Thomas (George Bush) e Samuel Alito (George Bush). Na ala liberal, estão o ministro Stephen Breyer (indicado por Bill Clinton) e as ministras Ruth Bader Ginsburg (Bill Clinton), Sonia Sotomayor (Barack Obama) e Elena Kagan (Barack Obama). 
Nos últimos tempos, o ministro conservador Anthony Kennedy assumiu a posição de fiel da balança da Suprema Corte, se alinhando com os conservadores ou com os liberais de acordo com suas convicções jurídicas, em cada um dos casos. O ministro conservador Samuel Alito votou uma vez com os liberais e a ministra liberal Sonia Sotomayor se alinhou uma vez com os conservadores. Mas a pedra no sapato dos conservadores sempre foi Anthony Kennedy.
Mas, na votação mais politizada deste ano, destinada a manter ou derrubar a nova lei de seguro-saúde do país, conhecida como Obamacare (porque foi um projeto de lei proposto pelo presidente Obama), o ministro Kennedy se declarou, desde o início, que iria votar contra a lei. E os Republicanos consideram a extinção completa da Obamacare como favas contadas. Mas aconteceu, então, o inesperado: o presidente da Corte, John Roberts, deu uma guinada de última hora em todo o processo e se juntou à "coalizão liberal" para manter a lei que obriga todos os americanos a adquirir seguro-saúde e, com isso, gerar fundos para revitalizar o moribundo Medicaid — o serviço de previdência social para os americanos que vivem abaixo do nível de pobreza. 
Foi a gota d’água que instalou a discórdia na Corte e a indignação dos conservadores do país. "Os conservadores sentiram um cheiro de traição", diz a CBS. "Eles acham que Roberts mudou de ideia por razões erradas", relata a reportagem. Se Roberts tivesse ficado do lado dos liberais desde o início, o resultado final teria sido mais palatável. Mas o fato de ele haver mudado de posição quase em cima da hora deixou os conservadores furiosos, diz a CBS. Curiosamente, ele tentou arduamente convencer o ministro Kennedy a também se alinhar com os liberais, para manter a lei, mas não conseguiu. Mas, enfim, Roberts deu o voto decisivo em uma questão polêmica perante a Corte que ele preside desde 2005. 
Furos nas coalizões
Três dias antes de votarem a Obamacare, John Roberts e Anthony Kennedy, com o apoio de três ministros liberais, derrubaram alguns aspectos mais polêmicos da lei do Arizona que, segundo os críticos, legaliza a perseguição a imigrantes ilegais. A ministra liberal Elena Kagan se declarou impedida porque ela trabalhou nessa área, quando fazia parte do governo Obama. A Suprema Corte considerou que, em alguns pontos, o Arizona legislou em áreas que eram de competência exclusiva do governo federal. Resultado da votação: 5 a 3 para os liberais. 
Em um voto que se tornou notável, segundo o Los Angeles Times, o ministro conservador Samuel Alito se juntou aos quatro liberais da corte, declarando que os americanos tinham direito à proteção constitucional de não ter seus movimentos rastreados por qualquer autoridade policial através de seus telefones celulares, GPS e outros dispositivos eletrônicos. A Constituição dos EUA protege os cidadãos contra busca e apreensões consideradas "não razoáveis" e sem mandado, mas o governo defendia a tese de que essa proteção não se estende às ruas e calçadas públicas. Resultado da votação: 5 a 4. 
Com a ajuda do conservador Anthony Kennedy, os ministros liberais garantiram aos réus novos direitos nos acordos de plea bargain (confissão de culpa para evitar o julgamento, em troca de uma pena menor). Cerca de 95% dos casos criminais jamais chegam ao Tribunal do Júri. Terminam em acordo proposto pelo promotor e aceito pelo réu, com a assistência de seu advogado de defesa. No entanto, segundo os votos vencedores, muitos réus perdem a oportunidade de fazer um acordo e pegam sentenças muito altas, porque lhes faltaram uma assistência jurídica competente — algumas vezes, por um erro grave do advogado de defesa. Assim, os réus prejudicados podem pedir a revisão de seu caso em um tribunal. Resultado da votação: 5 a 4. 
Kennedy também foi decisivo quando a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais (e também de uma lei federal) que obrigava os juízes a aplicar automaticamente a sentença de prisão perpétua a crianças (algumas delas na faixa de 11 a 14 anos) e adolescentes, uma vez que fossem consideradas culpadas pelo tribunal do júri por qualquer crime que envolvesse morte da vítima. Os juízes sequer tinham a possibilidade de levar em consideração circunstâncias atenuantes, como idade do réu ou sua efetiva participação no crime. Muitas crianças foram sentenciadas a prisão perpétua, sem terem cometido crime de assassinato, porque foram consideradas culpadas por estarem envolvidas, por exemplo, com um crime de assalto. A decisão não vai livrar os condenados da prisão, automaticamente, mas mais de 2 mil casos serão revistos. Resultado da votação: 5 a 4. 
Com a ajuda da ministra Sonia Sotomayor, que se alinha com a minoria liberal, porque foi indicada pelo presidente Obama, mas que têm tendências conservadoras, segundo a Wikipédia, a Suprema Corte garantiu novas proteções jurídicas às corporações que enfrentam sanções criminais. No passado, a corte estabeleceu que os réus tinham o direito a um júri, para decidir sobre fatos essenciais que sugeriam punições mais duras. Em junho, Sonia Sotomayor escreveu, em seu voto, que o mesmo era verdadeiro para as corporações. Resultado da votação: 6 a 3 para os conservadores. A ministra foi corajosa porque, segundo a Wikipédia, os registros históricos indicam que um ministro só vota contra sua própria bancada depois de pelo menos 5 anos no cargo. Ele foi para a corte em 8 de agosto de 2009. 
Exceções à regra
Todos esses casos de votos "rebeldes" constituem, entretanto, exceções à regra. O placar normal das decisões da corte é 5 a 4 – cinco votos conservadores contra quatro votos liberais. Assim, os conservadores tiveram inúmeras vitórias nos últimos tempos. Entre as mais notáveis, por exemplo, deram ganho de causa ao Walmart, contra suas funcionárias, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Determinaram que as prisões têm o direito de ordenar a prisioneiros que se desnudem, para fazer buscas, mesmo que não sejam considerados perigosos. Proibiram os sindicatos do setor público de coletar taxas de funcionários para financiar projetos políticos especiais. 
Mas, mesmo no calor das discórdias, políticos conservadores esperam que a poeira assente e que os ministros conservadores façam as pazes com o presidente Roberts, para que a coalizão majoritária volte a imperar. A partir de setembro, a Suprema Corte vai decidir dois casos de grande interesse para os conservadores: uma lei sobre direito ao voto e outra sobre o casamento. A lei do casamento, que os conservadores querem manter intacta, estabelece que o matrimônio somente pode ocorrer entre um homem e uma mulher.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2012

Morre Arnaldo Süssekind, doutrinador preferido do TST

Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)


Morreu na madrugada desta segunda-feira (9/7), no Rio de Janeiro, o advogado Arnaldo Lopes Süssekind, no dia em que completou 95 anos de idade. Segundo informações do Tribunal Superior do Trabalho, instituição que integrou entre dezembro de 1965 e agosto de 1971, o jurista foi vítima de insuficiência respiratória seguida de parada cardiorrespiratória.
Süssekind era um dos doutrinadores mais admirados pelos ministros do TST. Em pesquisa feita peloAnuário da Justiça Brasil 2011, publicado pela revista Consultor Jurídico, foi o mais citado pelos ministros que compunham a corte trabalhista no ano passado. Seis juízes o apontaram como o doutrinador de sua preferência.
O doutrinador era o único remanescente da comissão encarregada da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho. Fez parte da comissão com apenas 24 anos de idade. Atualmente, trabalhava como consultor jurídico da mineradora Vale na área trabalhista e era conselheiro da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
O velório de Süssekind será feito a partir das 14h desta segunda, no edifício sede do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), que leva seu nome, até as 13h desta terça-feira (10/7). Às 14h30, o corpo será cremado no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Rio de Janeiro.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous, disse que “a ausência de Süssekind deixará, com certeza,saudades e um vazio que, pouco a pouco, haverá de ser preenchido por seu imenso legado em favor do Direito do Trabalho”. “A inestimável presença de Süssekind na edificação da legislação trabalhista em nosso país, inclusive participando diretamente da elaboração da CLT, marcou a sua existência, sobrelevando a sua generosa preocupação com os destinos da classe trabalhadora, expressa, sobretudo, no sistema protetor que as normas consolidadas, emanadas dos seus altos conhecimentos jurídicos, consagram”, disse.
Já o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), por meio de nota, disse que Süssekind “deixa um enorme legado a todos os estudiosos”. Ele se tornou membro da entidade em julho de 1978 e era membro do Conselho Superior. “O ministro Arnaldo Süssekind foi, sem dúvida, um dos maiores expoentes do País nos campos do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário.”
A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro também lamentou, por meio de nota, a morte do trabalhista, um membro da Irmandade da Misericórdia há mais de 50 anos. “O jurista e ex-ministro do Trabalho e Previdência Social integrava a mesa superior administrativa da instituição, cúpula responsável pela supervisão e zelo do atendimento hospitalar, cemiterial, educacional e demais serviços assistenciais prestados pela entidade filantrópica. A Santa Casa expressa suas mais profundas condolências à família desta importante figura na história política do país”, declarou.
Arnaldo Lopes Süssekind foi ministro do Trabalho e Previdência Social no governo Castello Branco, de abril de 1964 a dezembro de 1965 e procurador-geral da Justiça do Trabalho. Foi ainda ministro do Tribunal Superior do Trabalho por seis anos, até 1971, e seu nome batiza o prédio da sede do TRT do Rio. Patrono dos advogados trabalhistas, integrou a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no posto hoje ocupado pelo ministro do TST Lelio Bentes.
O jurista fez parte da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e da Seguridade Social, da Academia Luso-Brasileira de Direito do Trabalho e de mais 18 associações culturais e científicas nacionais e estrangeiras, além de presidir conselhos editoriais de importantes periódicos brasileiros.
Em agosto de 2010, o TST prestou homenagem a Arnaldo Süssekind durante o Fórum Internacional sobre Direitos Sociais - Trabalho Decente e Desenvolvimento Sustentável. “Inquestionável que, em sua marcante vida pública, Arnaldo Süssekind contribuiu extraordinariamente — eu diria, como nenhum outro patrício — não apenas para a edificação do Direito do Trabalho em nosso país, como também para a difusão e aplicação das normas da OIT no cenário mundial e nacional”, afirmou, à época, o ministro João Oreste Dalazen, atual presidente do TST.
No discurso em homenagem ao jurista, Dalazen lembrou que Süssekind defendeu, enquanto esteve à frente do Ministério do Trabalho, o instituto da estabilidade no emprego, apenas substituído pelo regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) — “uma das primeiras medidas neoliberais de flexibilização da legislação trabalhista brasileira” — após sua saída. Também se opôs à extinção do 13º salário proposta na mesma época e solucionou o problema da sobrecarga da folha de pagamento em dezembro com a adoção da fórmula de pagamento da gratificação natalina em duas vezes, hoje convertida em lei. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do TST.
Clique aqui para ler a homenagem.
Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2012

Nova Lei de Lavagem trará problemas à Justiça


Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)
Hoje foi aprovada a nova lei de lavagem de dinheiro. E mais uma vez uso este espaço para tecer considerações sobre o tema.
A melhor política de combate ao crime organizado não é endurecer as penas, mas bloquear o capital que o financia e sustenta. Mais do que a prisão, a pedra de toque para o enfrentamento da moderna criminalidade é o combate à lavagem de dinheiro.
Lavar dinheiro é o ato de ocultar bens, valores e direitos provenientes de infrações penais, para sua posterior reinserção na economia formal com aparência licita. O termo “money laundering” foi usado pela primeira vez por autoridades policiais norte-americanas nos anos 30 do século XX para descrever o uso, pela máfia, do serviço de máquinas de lavar roupa automáticas para justificar seus recursos ilícitos. A expressão foi usada pela primeira vez em um processo judicial nos EUA, em 1982, e a partir de então ingressou na literatura jurídica e em textos normativos nacionais e internacionais.
O desenvolvimento da criminalidade organizada sofisticou o processo de lavagem de dinheiro. O uso de pequenos negócios para encobrir o capital sujo foi substituído por complexas movimentações financeiras em âmbito internacional. O rastreamento dos bens provenientes de ilícitos penais — muitas vezes mascarados em paraísos fiscais — exigiu o aprimoramento das estratégias de fiscalização e controle. A partir do final dos anos 1980, tratados e convenções sobre lavagem de dinheiro foram assinados, e diversos países aprovaram leis especificas para enfrentar essa prática.
No Brasil, a primeira lei sobre o tema data de 1998. Previa a punição do ato de ocultar valores provenientes de alguns crimes graves, como o tráfico de drogas, de armas, e a extorsão mediante sequestro, com pena de três a dez anos de prisão. A mesma lei criou o Coaf, órgão responsável pela sistematização de informações sobre operações suspeitas, atividade fundamental para o conhecimento dos métodos de lavagem de dinheiro e o desenvolvimento de políticas de prevenção e repressão. Em decorrência da lei foram instituídas varas judiciais especializadas para o julgamento desses crimes, encabeçadas por juízes com capacitação e treinamento especifico para isso.
Hoje foi publicada uma nova lei sobre lavagem de dinheiro, que traz grandes mudanças. Algumas oportunas, como a ampliação do controle de movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a identificação de bens sujos. Agora, juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas.
Outras alterações, no entanto, preocupam, como a ampliação do conjunto das condutas puníveis. Antes apenas bens provenientes de alguns crimes graves — como tráfico de drogas e contrabando de aras — eram laváveis. Agora, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece adequado ou razoável.
Ademais, a ampliação citada pode inviabilizar as varas judiciais especializadas em lavagem de dinheiro. Se a maior parte dos crimes ou contravenções pode gerar lavagem de dinheiro, haverá ampliação vertiginosa do número de processos remetidos a tais órgãos para julgamento. O que era exceção passa a ser regra. Assim, ou bem se aumenta a estrutura e o número de juízes nesses setores, ou a falta de quadros resultará na morosidade e na consequente impunidade pela prescrição.
Por outro lado, merece as mais severas críticas e desperta apreensão o dispositivo que determina o afastamento automático do servidor público indiciado por lavagem de dinheiro. Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade macula profundamente a presunção de inocência e deixa sem controle judicial a aplicação de uma das medidas restritivas de direito mais agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu múnus, seu trabalho, sua função. É bom ter sempre em mente as críticas reiteradas ao ato de indiciamento em si, até hoje não regulado pela legislação processual penal.
Enfim, a nova lei, como todas em geral, tem aspectos positivos e negativos. Esperemos que seus exageros sejam compensados com uma aplicação cautelosa, pautada pela percepção de que o combate à lavagem de dinheiro tem por objeto o grande crime organizado, e que sua banalização e desvio de foco pode comprometer todos os avanços alcançados nos últimos anos.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2012

Nova lei de combate à lavagem de dinheiro é sancionada


Fonte: Conjur (www.conjur.com.br)
Está publicado no Diário Oficial e no site do Planalto, nesta terça-feira (10/7), o texto da nova lei de combate à lavagem de dinheiro. A lei, que torna mais rigorosa a fiscalização e fixa maiores sanções para o crime de lavagem, foi sancionada nesta segunda-feira (9/7) pela presidente da República, Dilma Rousseff. E entra em vigor imediatamente.
A nova lei amplia o leque de crimes antecedentes. Pelo texto, qualquer crime ou mesmo contravenção penal – como a promoção do jogo do bicho e de outros jogos de azar, por exemplo – pode ser considerado como crime antecedente à lavagem de dinheiro.
Pela regras anteriores, apenas um grupo de crimes graves, como tráfico de drogas, terrorismo, sequestro, eram passíveis de gerar denúncia por lavagem. Pelo novo texto, o dinheiro produto de qualquer crime que tenha sido “lavado” é causa de denúncia por lavagem de dinheiro.
Ouvido pela revista Consultor Jurídico, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, que trabalhou pela aprovação e sanção das novas regras, a lei “é muito importante na perspectiva de dotar o estado de instrumentos mais eficazes no combate ao crime organizado”. Segundo Pereira, a norma amplia também o rol de pessoas físicas e jurídicas obrigadas a informar movimentações financeiras atípicas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf.
Quem trabalha, por exemplo, com contratação de jogadores de futebol, eventos artísticos e esportivos ou trabalha no mercado de artigos de luxo têm de informar as transações ao Coaf. A nova lei também inclui pessoas físicas que trabalham com compra e troca de moeda estrangeira – na prática, doleiros – a no leque de quem é obrigado a prestar informações ao Coaf.
O teto da multa prevista para pessoas físicas e jurídicas que descumprem a obrigação de informar atividades financeiras ao Coaf também subiu: de R$ 200 mil pela lei anterior para até R$ 20 milhões pelas regras que entram em vigor nesta terça.
Pelas novas regras, também será permitida a chamada alienação antecipada. Ou seja, o Judiciário poderá leiloar bens apreendidos de acusados de lavagem mesmo antes da condenação definitiva. A ideia é evitar a depreciação dos bens apreendidos. De acordo com o secretário Marivaldo Pereira, muitas vezes os bens são armazenados em depósitos com condições inadequadas de conservação e acabam perdendo valor por conta da depreciação.
Segundo Pereira, o dinheiro arrecadado com o leilão serão depositados em uma conta judicial. Em caso de condenação, os valores terão como destino os cofres do erário. Em caso de absolvição, os acusados podem resgatar o dinheiro.
Para o advogado criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, colunista da ConJur, algumas mudanças são oportunas, como a ampliação do controle de movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a identificação de bens sujos. “Agora, juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas”, afirma – clique aqui para ler artigo do criminalista sobre a nova lei.
Mas Bottini diz que outras alterações “preocupam”, como a ampliação do conjunto das condutas puníveis. “Agora, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece adequado ou razoável”, sustenta o criminalista.
Pierpaolo Bottini chama a atenção para a regra que determina o afastamento automático do servidor público indiciado por lavagem de dinheiro: “Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade macula profundamente a presunção de inocência e deixa sem controle judicial a aplicação de uma das medidas restritivas de direito mais agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu múnus, seu trabalho, sua função”.
Clique aqui para ler a lei.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2012


Bolívia processará revista Veja por calúnia e difamação

Fonte: Aldeia Gaulesa

O governo da Bolívia vai processar a revista Veja por "injúria e difamação" pela publicação de uma matéria que vincula autoridades de La Paz, entre elas o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, com o narcotráfico. 
   
A ministra boliviana da Comunicação, Amanda Dávila, atribuiu a reportagem a "uma campanha contra o governo, liderada por um partido conservador" do Brasil que apoia a concessão de asilo político ao senador boliviano de oposição Roger Pinto. 
   
O político está asilado na embaixada do Brasil em La Paz há um mês, depois de alegar perseguição política por suas denúncias de corrupção contra algumas autoridades. Apesar do governo brasileiro ter concedido asilo a Roger Pinto, a Bolívia não autorizou sua saída do país. 
   
A reportagem da Veja relata o suposto encolvimento de Quintana e da diretora da Agência para o Desenvolvimento de Macrorregiões e Regiões Fronteiriças Amazônicas, Jessica Jordan, com o narcotraficante brasileiro Maximiliamo Dorado Munhoz Filho. 
   
Segundo a matéria, Quintana e Jordan se reuniram com Dorado antes dele ser preso em seu país e embora tenham entrado na residência do brasileiro em Santa Cruz "com as mãos vazias" teriam saído com duas maletas. 
   
A revista atribui a informação a supostos informes da inteligência da polícia boliviana que teria sido dada por pessoas do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) aparentemente desiludidos pela distorção do processo político. 




Fonte: ANSA

As garras do Brasil na Operação Condor

Fonte: Observatória da Imprensa

Por Luiz Cláudio Cunha

Comunicação ao Seminário Internacional sobre a Operação Condor, Câmara dos Deputados, Brasília (DF), 5/7/2012



A mais longa ditadura da maior nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de 1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor.
Nascia a mais articulada e mais ampla manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada, confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do crime.
Tempos depois, em 1991, as democracias renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os generais das seis ditaduras do Cone Sul – Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia – tinham conseguido realizar, a ferro e fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas.
A Operação Condor trouxe para dentro do Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio.
O envolvimento de efetivos regulares da segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra antissubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da lei e exacerbou a violência. A virulência clandestina e sem controle do esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um esquadrão.
A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul.
“Técnicas de vigilância”
Dois policiais resumem este mergulho criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um ano antes do nascimento da Condor. Em 16 anos de vida, treinou um milhão de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS tinha adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do golpe de Juan María Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito desejado”.
O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do clandestino Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de 1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr., avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai foram treinados no final de 1971 pelo Brasil para combater a insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de Mitrione era o experiente Fleury.
O embaixador detalhou a ação de órgãos de segurança da Argentina (Secretaria de Inteligência do Estado, SIDE) e do Brasil (Serviço Nacional de Informações, SNI) no apoio a grupos uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos contraterroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba, sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes.
Quase dois anos antes da formalização da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O “I Seminário de Polícia sobre a Luta Antissubversiva no Cone Sul” reunia os chefes da Polícia Federal, alguns deles oficiais do Exército – casos do Brasil, Argentina e Paraguai. Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países associados”.
A preocupação anticomunista se aguçou com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do continente, que se reuniam regularmente na Conferência dos Exércitos Americanos (CEA). No décimo encontro, realizado em Caracas uma semana antes do golpe de Augusto Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges Fortes propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao comunismo.
Em 1976, na Nicarágua do ditador Anastasio Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA:
– A guerra ideológica não respeita fronteiras – avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente no Uruguai.
Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. O policial revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII, Dirección Nacional de Información y Inteligencia, a central de polícia abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura.
As ordens do ministro do Interior, Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em “atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar “operações de Esquadrão da Morte”.
“Canal de treinamento”
Os futuros quadros da Condor começaram a se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares, policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares. Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco, reuniu-se a 11ª CEA, a conferência dos Exércitos. Num encontro prévio, os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección Nacional de Inteligência (DINA), a polícia política de Pinochet, para a criação de “um programa repressivo transnacional”.
A proposta foi aprovada, e Contreras não perdeu tempo. Despachou o vice-diretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção, onde entregou ao general Francisco Brítez, chefe da repressão do governo Alfredo Stroessner, o convite para uma reunião “absolutamente secreta” em Santiago do Chile para o mês seguinte, novembro.
O nº 2 da DINA, antes de voltar para casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui, entregou o convite e a agenda de dez páginas da pomposa “I Reunión de Trabajo de Inteligencia Nacional” a um fraterno amigo de Contreras: o general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Governo Geisel.
As duas ditaduras tinham muito em comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o quarteto da Junta Militar prestava juramento como novo centro de poder.
– Ainda estávamos disparando quando chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento – registrou o próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova ordem.
Dissimulados, os Estados Unidos de Richard Nixon e Henry Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram a ditadura Pinochet treze dias depois do Brasil. O espaço aéreo chileno ainda estava fechado, horas depois do golpe, quando quatro aviões militares brasileiros pousaram na base de Santiago, oficialmente levando apenas remédios e mantimentos.
No Brasil, o apoio encoberto ao golpe foi imediato. Um acordo, articulado no governo Emílio Médici (1969-1974) e executado no governo Ernesto Geisel (1974-1979), garantiu fuzis e munição para a repressão interna no Chile, como revelou no domingo (1/7) a repórter Júnia Gama, de O Globo,com base em documentos inéditos do extinto EMFA (Estado-Maior das Forças Armadas). Um ofício de 17 de janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em Itajubá, Minas Gerais. 
O próprio Manuel Contreras afiara suas garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert Scherrer, chefe do escritório do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno foi treinado em Brasília. O golpe mal completara um mês quando um economista brasileiro da CEPAL foi incorporado aos dez mil prisioneiros reunidos no Estádio Nacional de Santiago. José Serra, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, chegou a ouvir gente fazendo interrogatório em português. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional de Informações, a ESNI – que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA.
Entre os 24 mil documentos da Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados no governo Bill Clinton, existe um memorando secreto que o general Vernon Walters, o vice-diretor da CIA, mandou em julho de 1975 ao assessor de Segurança Nacional do presidente Gerald Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia o apelo que Pinochet, inusitadamente aflito pelo risco de isolamento internacional, mandava para a Casa Branca. No item 3 da nota, Walters mostrava a intimidade brasileira com Pinochet: “Os chilenos sabem que não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso [americano]. Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia”.
O general americano nem precisou lembrar. Mas os quatro países, por coincidência, eram ferozes ditaduras anticomunistas.
Dois meses depois, em setembro de 1975, Pinochet e o vice-diretor da DINA, coronel aviador Mario Jahn, discutiram a expansão internacional da repressão chilena. O coronel era o homem encarregado por Contreras de pilotar as incursões além-fronteiras da Condor, desafio que sempre demandava gastos maiores. Na conversa na sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet, Jahn explicou:
– Os americanos estão ajudando por meio do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o nível mundial – propôs o coronel a Pinochet, informado de que o treinamento da CIA era fornecido por meio do Brasil. Brasília era definida, na conversa, como o “canal de treinamento” de técnicas de interrogatório e tortura para os agentes da DINA.
Um memorando de 15 de setembro de 1975 de Contreras a Pinochet pede um reforço de US$ 600 mil no orçamento daquele ano da DINA. No item 1 da nota, o coronel justifica ao general: “Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Um total de dez pessoas: 2 no Peru, 2 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 1 na Costa Rica, 1 na Bélgica e 1 na Itália.”
Entre amigos
Em 1999, o jornal O Globo deu outra pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a Pinochet em 1975: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada dois meses, faziam um curso de seis semanas no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército brasileiro, em Manaus, no coração da maior floresta tropical do mundo.
Durante algum tempo, um de seus principais instrutores foi o adido militar da embaixada da França em Brasília entre 1973 e 1975. O general Paul Aussaresses, especialista em inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras coloniais: a da Indochina (1946-1954) e a da Argélia (1954-1962). Foi herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia para fazer a ligação entre a Resistência francesa e as tropas aliadas do Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada pelas tropas paraquedistas do general Jacques Massu. Graças a Aussaresses, a França introduziu no seu vocabulário uma deformação paraestatal que só condenava nos outros povos: os macabros “esquadrões da morte”.
Quase duas décadas antes do jornalista Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo, Aussaresses mandou “suicidar” em Argel um dos líderes da Frente de Liberação Nacional (FLN), o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu enforcado na prisão após um interrogatório pesado, em 1957. Na sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel “atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o general reconheceu que nenhum se suicidara. Ambos foram mortos pela tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia:
– A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.
O mesmo argumento consolador foi usado pelo general Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, ao dizer:
– Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. (...) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior – explicou Geisel.
Apesar da tolerância, o ditador brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos Aires o carro do ex-comandante do Exército chileno, Carlos Pratts, matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou:
– Eles que venham aqui ver a ESNI – disse o presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975 do secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do general Geisel mandaria raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia clandestinamente à ditadura chilena.
Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações do SNI em Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O que Geisel não queria, realmente, era misturar suas tropas de repressão com as de Pinochet. Além disso, havia um erro de origem no convite de Contreras a Figueiredo para a reunião no Chile. Por definição, o SNI era um órgão de informação do presidente da República. Assim, o SNI não era o braço operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército.
Era o CIE que guerreava o que o SNI informava.
Esta era a lógica – e Figueiredo repassou o encargo a quem de direito, o general Confúcio Danton de Paula Avelino, o chefe do CIE, com uma recomendação especial de Geisel: reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares – um coronel e um major, com ordens estritas para escutar mais do que falar.
O Brasil não tinha muitas ideias para uma ação coletiva, mas queria preservar as ações bilaterais, caso a caso, quando ações repressivas fossem necessárias. Uma última recomendação de Figueiredo, repassando a ordem de Geisel: reduzir a participação brasileira à condição de observador, sem autorização para firmar nenhum documento.
Na manhã ensolarada de 25 de novembro de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da mansão da Alameda O’Higgins onde funcionava a Academia de Guerra do Exército, na capital chilena. A voz aguda de Pinochet ocupou um pedaço da sessão de hora e meia da abertura. Depois, Contreras assumiu o controle, pronunciando seu mantra favorito: “A subversão não reconhece fronteiras nem países”.
A repressão que assombrava o Cone Sul desde a década anterior agora tinha uma organização, um código e um método – e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de Condor, o abutre típico dos Andes, que agora abria suas asas sobre os povos e os países da região sem fronteiras para um terror de Estado sem limites. A velha e informal prática da troca de informações e de prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem fim.
A ata de fundação desse clube com licença para matar foi assinada pelos representantes de cinco dos seis países fundadores. O capitão argentino Jorge Demetrio Casas (diretor de operações do Serviço de Inteligência do Estado, SIDE), o coronel uruguaio José Fons (subdiretor do Serviço de Inteligência de Defensa, SID), o coronel paraguaio Benito Guanes Serrano (chefe do Departamento de Inteligência do EMFA), o major boliviano Carlos Mena Burgos (do Serviço de Inteligência do Estado, SIE), além do anfitrião, o coronel chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados que lá estavam aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de Geisel de presença restrita à condição de “observadores”.
Até os documentos desclassificados da CIA, portanto, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela hipocrisia brasileira. Achei estranha esta lacuna e, durante dois anos, enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei identificar a dupla enviada por Brasília. Não localizei documentos, mas os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações acabaram decifrando o mistério.
Estes são os nomes dos brasileiros “observadores” que fundaram a Condor: Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz. Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE). Dois veteranos do combate nas selvas do Araguaia (1972-1974), o maior e mais longo foco guerrilheiro do país, onde 70 combatentes comunistas de linha maoista foram esmagados por um contingente militar que chegou a oito mil homens.
O coronel De Marco e o major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha.
Quando De Marco chegou ao Araguaia, outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o coronel foi embora, um ano depois, não restavam mais do que dez combatentes. Suas sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
O major Thaumaturgo, oficial paraquedista com curso de guerra na selva na Escola das Américas, no Canal do Panamá, comandava os “boinas pretas”’ do Destacamento das Forças Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia em 1972 com um pelotão de 36 homens. Em 1984, já coronel, Thaumaturgo assumiu o comando em Manaus do CIGS, o centro de guerra na selva onde treinaram os agentes da DINA do coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da Condor uma década antes.
De Marco e Thaumaturgo estavam em Santiago por delegação expressa de Geisel e seu sucessor na presidência. Quando o coronel Figueiredo comandava no Rio o Regimento de Cavalaria de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O general Figueiredo o levou com ele ao assumir a chefia do SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De Marco subiu a rampa do poder com o presidente Figueiredo, na condição de diretor administrativo do Palácio do Planalto. O major Thaumaturgo foi cadete na academia militar do general Danilo Venturini, que dirigiu a ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes de assumir a chefia do Gabinete Militar no governo Figueiredo.
Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos. Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade. A irmandade da Condor. Um abutre carniceiro que via longe.
Fiasco da Rua Botafogo
Em 1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no Senado dos Estados Unidos uma frase do coronel Contreras:
– Iremos até a Austrália, se necessário, para pegar nossos inimigos.
Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos.
É a capital brasileira do Cone Sul, no estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. A repressão uruguaia localizou na cidade dois ativistas da esquerda “requeridos” pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. Atravessar a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires.
Brasil todavia no es Argentina! –advertiu o coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão, chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia de Contrainformaciones. O coronel pairava acima das quatro Divisões de Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações Antissubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O coronel só recebia ordens de dois homens: seu chefe imediato, o general Manuel J. Nuñez, chefe do Estado-Maior, e do comandante-geral do Exército, general Gregório “Goyo” Álvarez.
De Armas procurou um velho parceiro da irmandade da Condor no Brasil: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que no governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI da rua Tutoia, em São Paulo, e que no governo Geisel foi chefe em Brasília do Setor de Operações do CIE, o serviço secreto do Exército. Quando fez o contato, em novembro, De Armas encontrou o camarada de repressão comandando havia dez meses um quartel de artilharia em São Leopoldo, nas cercanias da capital gaúcha. A partir das instruções de Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra que a loucura da Condor tinha método e hierarquia.
O Departamento II do coronel De Armas contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto Alegre, pedindo passe livre da Condor para os homens da Compañia de Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em Brasília, general Edison Boscacci Guedes. O coronel uruguaio foi autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no sul, o delegado Pedro Seelig, que desbaratou a esquerda armada na região.
Comunicando-se pelo sistema codificado criado pela CIA para a DINA do coronel Contreras, a Condortel 3 (base Uruguai) entrou em linha com a Condortel 6 (base Brasil). Na primeira semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o comandante, major Carlos Alberto Rossel, seu subcomandante, major José Walter Bassani, e o capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. Na segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa, capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre.
O capitão Yannone e o delegado Seelig estavam lá, pela fraterna camaradagem da Condor. Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian – Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos.
Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho.
O delegado Seelig observava, o capitão Yannone espancava.
O casal e as crianças foram levados pela polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia – Hugo Cores, o líder do PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo. Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de operações da Compañia, o capitão Eduardo Ferro, que armou uma ratonera para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na Rua Botafogo.
Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores.
Clandestino em São Paulo, e alertado pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig ocultos no apartamento abriram a porta, com pistolas em punho, na tarde chuvosa de 17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas para suas cabeças.
Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco.
Eu olhei no olho da Condor.
Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus olhos.
Meu amigo Scalco morreu do coração cinco anos depois, aos 32 anos.
Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor.
Assumi então o desafio de contar essa história e identificar seus responsáveis, na série de reportagens que produzi ao longo de dois anos na revista Veja e no livro que publiquei, 30 anos depois do sequestro.
A inesperada aparição de dois jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das torturas, e não puderam ser simplesmente “desaparecidos”.
A denúncia do sequestro dos uruguaios em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos.
O sequestro de Universindo, Lilian e as duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo presidente José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e sequestro nos anos da ditadura (1973-85).
Em 16 de julho, segunda-feira, estarei no tribunal da Calle Missiones, em Montevidéu, depondo como testemunha do sequestro a pedido da juíza Mariana Motta. Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano passado, aos 83 anos.
O fiasco da Rua Botafogo expôs ao ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava sobreviventes.
Em 1978, a Condor deixara para trás, vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a Condor, como agia a Condor.
Como avisara o coronel Calixto de Armas, Brasil todavia no era Argentina!.
Sócio envergonhado
Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre?
Por duas razões principais, que desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que não eram comuns em seus países.
As crianças desordenaram a rotina de eficiência do delegado Seelig e seus agentes do DOPS. Ao contrário dos uruguaios, que roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca e captura de guerrilheiros.
Os jornalistas abalaram a disciplina militar do capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino.
De um lado e outro da fronteira, a Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava.
No crepúsculo de seu governo, um mês após o sequestro de Porto Alegre, o general Geisel ordenou que o general Figueiredo, que assumiria a presidência em março de 1979, resolvesse o fiasco da Condor. Foi enviado ao sul o novo chefe do SNI, general Octávio Aguiar de Medeiros, que fracassou outra vez, na frustrada tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios.
Assim, num único episódio da Condor, envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura brasileira tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre.
Em uma entrevista que fiz em 1993 com o autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele, nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP. 
A Condor voou com intensidade entre 1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul. Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).
Nos tempos da Condor desatinada, a força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas.
Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras.
O dicionário de terror da Condor fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados,os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação dos regimes onde voava a Condor:
– O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita... Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido... – consolava o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul.
Os tiranos que caçam os opositores da tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas. Carimbam como “subversivo” ao resistente que ousa desafiar a opressão. Combatem o “terrorista”’ indefeso e manietado com o aparato pesado do terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam de “ditabranda” o que não passa de ditadura. Revogam Constituições para aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a tranquilidade. Fabricam “suicídios” ou “atropelamentos” quando os presos cometem o desatino de morrer sob tortura em suas masmorras. Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que não passa de memória.
No paraíso da Condor, os generais e seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade.
Dignidad, no Chile da Condor, era o nome de uma colônia agrícola, 335 km ao sul de Santiago, criada por um ex-enfermeiro da Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para interrogatórios da DINA.
Libertad, no Uruguai da Condor, 50 km a oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava 600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre.
Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor.
Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor.
Quando veio o golpe de 11 de setembro no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido Socialista derrubado a bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em 2006 elegendo como presidente uma médica pediatra de 56 anos – a filha de Alberto, Michelle Bachelet.
Em janeiro de 1975, dez meses antes do nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago. Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada.
É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola:
– Só as feridas lavadas cicatrizam.
Passados tantos anos de tanto horror, este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do país que é um envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva.
Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo:
– Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.
***
[Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (Editora L&PM, 2008)]
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