Fonte: Conjur
Por Luiz Flávio
Gomes
Não se entra em
campo com time incompleto. Um dos ajustes que nós, penalistas garantistas e
críticos, temos que fazer nas nossas práticas e discursos (não conservadores) é
o seguinte: nós procuramos “combater” a política criminal puramente repressiva
defendida nos últimos anos pelopopulismo penal (midiático, legislativo, penitenciário
etc.) com instrumentos, meios, racionalidades e discursos não inteiramente
adequados. Contra as grandes transformações do Direito Penal, do processo penal
e da execução penal (ocorridas nos últimos 30 anos: décadas de 80, 90 e a
primeira do século XXI — veja Garland: 2005, p. 39 e ss.) nós levantamos
somente as (jamais dispensáveis) bandeiras do minimalismo (mínima intervenção
do Direito Penal: Baratta, Zaffaroni etc.) e do garantismo (mínima intervenção
com as máximas garantias: Ferrajoli), que continuam sendo imprescindíveis para
a construção do Estado democrático e proporcional de Direito, mas são
insuficientes para combater as raízes dessas grandes mudanças, que residem
especialmente no campo da criminologia e da política criminal
Combate com armas
somente defensivas. Usando somente as “armas” (intrinsecamente) defensivas de
um Direito Penal, processo penal e execução penal coerentes com o Estado
democrático e proporcional de Direito, nossa chance de sucesso nessa “guerra”
(contra os disparates do populismopenal) resulta bastante reduzida. Sempre
tivemos facilidade para ver a ponta do “iceberg” (os efeitos nefastos da
criminologia e da política criminal puramente repressivas) e dirigir nossos
“canhões” contra ela (para conter a volúpia autoritária e repressiva do poder
punitivo), mas não atinamos para as suas bases (estruturas e racionalidades,
que constituem as suas causas).
Refinando o
local da batalha. O populismo penal (que conta com claro impulso midiático)é,
antes de tudo, um discurso ou movimento ou um saber criminológico e
político-criminal de natureza exclusivamente repressiva (crê que a repressão,
por si só, magicamente bastaria). Para fazer frente a essa realidade
(irrealista), nós, os penalistas minimalistas/garantistas, nos aferramos na
dogmática penal (interpretação e sistematização dos textos normativos) assim
como nos princípios gerais do Direito (especialmente o penal), quando a causa
de tudo acontece em outros terrenos prévios (da criminologia e da política
criminal). Para “combater” a criminologia e a política criminal populista
midiática, que passaram a monopolizar as respostas para o problema criminal,
nós temos que nos valer também de uma criminologia (crítica, combatente) bem
como de uma apropriada política criminal. O locus da batalha defensista do
Estado democrático e proporcional de Direito não pode se limitar aos campos do
Direito Penal, processo penal e execução penal. É preciso ir mais além, para
alcançar a criminologia e a política criminal.
Criminologias
“anti”. Para jogar futebol temos que por em campo um time de futebol. Para
“combater” a criminologia midiática (racista, discriminatória, sectarista,
seletiva e maniqueísta) temos que nos valer das criminologias anti
(anti-exterminista, anti-seletiva, anti-máfias, anti-racista etc.), começando,
desde logo, pela criminologia anti-exterminista, que abomina todo tipo de
discurso ou prática que conduz ao extermínio de pessoas. Não se trata da única
bandeira da nova criminologia crítica, mas sem sombra de dúvida é uma das principais,
tal como vem defendendo Zaffaroni (2011). Todo esforço no sentido de reduzir o
número de mortes apresenta-se, no horizonte brasileiro (e latino-americano),
como louvável iniciativa acadêmica ou realista. Como diz o autor citado (no seu
livro La palavra de los muertos), é preciso ouvir os mortos, saber o que eles
têm a dizer sobre a carnificina brasileira, iniciada em 1500 com o genocídio
dos índios. Desde a fundação do nosso país não vivemos um dia sequer sem o
império da violência, da vingança, do medo, da discriminação e da desigualdade.
Já há muito tempo esse cenário histórico, econômico, social e cultural
necessita navegar por outro caminho, que dê mais atenção para a prevenção
fundada na Justiça social, respeito aos direitos humanos e no garantismo, que
são termômetros de civilização (contraposta à barbárie).
Política
“criminal” bem-estarista. Para enfrentar a política criminal repressiva
populista e midiática, no campo dos delitos clássicos (tradicionais,
convencionais), temos que sustentar o seu oposto, que é uma política “criminal”
que priorize a Justiça social, daí sua natureza preventiva bem-estarista ou
welfarista.
Causalidade
mágica. O populismo penal midiático, de outro lado, parte de alguns
preconceitos e crenças infundados, sobretudo a que diz respeito à causalidade
mágica (Zaffaroni), que consiste em acreditar que mais penas e mais prisões
significariam mais prevenção de crimes. Canaliza-se a vingança contra alguns
delinquentes (os bodes expiatórios), com a crença (ou o discurso) de que isso
seria a solução para o problema da criminalidade. Considerando que nas últimas
três décadas nenhum índice da criminalidade diminuiu, temos que (criticamente)
colocar em xeque essa causalidade mágica.
Luiz Flávio
Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG,
diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
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